"MAIS ESPERANÇA NOS MEUS PASSOS
DO QUE TRISTEZA NOS MEUS OMBROS."
CORA CORALINA
AVANÇA SAÚDE - SÃO PAULO
A revolução digital no atendimento à saúde de São Paulo
Financiado pelo BID, Avança Saúde SP usa recursos tecnológicos para dar mais rapidez e eficiência ao SUS na maior cidade do País
A telefonista aposentada Maria Aparecida Trovão precisa de não mais de 400 passos para ir de sua casa à Unidade Básica de Saúde (UBS) Cupecê, na Vila Mascote. São 280 metros por uma quadra um tanto barulhenta da zona sul paulistana. Mas o projeto Avança Saúde SP conseguiu pela força da tecnologia o que parecia geograficamente improvável: facilitar ainda mais o acesso desta paciente com artrite reumatoide aos médicos do município. De outubro para cá, Maria Aparecida obtém atendimento clínico imediato, sentada no sofá da sala, a partir de qualquer aparelho conectado à internet. “Preciso me consultar a cada três meses, para renovar exames, e antes eu esperava demais”, lembra, celebrando a comodidade no enfrentamento da doença que, seis anos atrás, lhe paralisou as articulações.
Embora já some 1,5 milhão de consultas, o recurso de telemedicina, hoje disponível em 29 UBSs e três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), é apenas uma vertente da revolução digital em curso no atendimento de saúde da maior cidade do País. O programa de Reestruturação e Qualificação das Redes de Atenção do Município de São Paulo, o Avança Saúde SP, recebeu aporte de R$ xxx do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para, em última instância, gerar dados que permitam aos gestores se antecipar à doença, promovendo saúde.
Como? “Com a unificação dos prontuários numa mesma base, é possível disparar alertas aos pacientes quando há qualquer alteração nos indicadores médicos”, orgulha-se Marcelo Takano, coordenador-geral do programa na prefeitura, enquanto, de seu celular, abre uma tela mostrando alteração em 21% dos exames de diabetes feitos na rede. Graças ao investimento do banco, as autoridades de saúde leem em tempo real os indicadores da população, colhendo subsídios tanto para programas preventivos quanto para intervenções individuais. O fluxo aqui se inverte: em vez do paciente buscar o serviço, é o serviço quem vai até paciente, evitando que ele adoeça.
As fontes para a construção dessa inteligência digital são muitas e superlativas. Os recursos do BID permitem à prefeitura estruturar o volume de informações geradas por uma rede que universaliza a atenção em saúde de uma megalópole com mais de 12 milhões de habitantes. Só pelo programa Vida Urgente, são 53 portas de atendimento de urgência e emergência na cidade, alimentando dados 24 horas por dia, sete dias por semana. O aplicativo e-SaúdeSP, também desenvolvido no bojo do programa, conta com 2,9 milhões de usuários cadastrados, que podem conferir resultados de exame, vacinas, procedimentos agendados, entre outras funcionalidades.
Especialista do BID em Questões de Saúde, Marcia Rocha lembra que, desde 2020, a saúde é o serviço público melhor avaliado pelos munícipes de São Paulo, segundo pesquisa do Datafolha. E as razões parecem claras, dadas às melhorias nos processos de atenção primária proporcionadas pelos investimentos no Avança Saúde. “As pessoas têm mais acesso, esperam menos, nas áreas socialmente prioritárias definidas pela prefeitura”, analisa Marcia.
"Uma grande revolução na saúde digital."
Marcelo Takano
Coordenador Geral Avança Saúde SP
As melhorias a que se refere Marcia se estruturam em quatro pilares, todos com serviços já contratados pelo Município. Na parte de obras prediais, até fevereiro, foram entregues 6 novas UPAS e reformadas outras 5. Houve reformas em 88 UBSs, além da construção de 11 novas unidades. Estruturas hospitalares chegaram a Brasilândia e Parelheiros. O programa ainda contempla investimentos nos sistemas administrativo e gerencial, bem como o treinamento para exploração desses recursos e para a leitura dos indicadores pelos times da Secretaria Municipal de Saúde. Essa frente deve estar integralmente implantada até 2024.
Por fim, na área de telemedicina, os consultórios híbridos asseguram aos médicos o histórico de 9 milhões de pacientes com CPF cadastrado pela prefeitura. “Não se trata só de colocar o paciente cara a cara com o profissional, mas de assegurar ao médico todo um conjunto de informações capaz de auxiliar na tomada das melhores decisões”, comenta Takano.
Inaugurada em novembro de 2021, a UPA City Jaraguá se sobressai ao alto da Estrada de Taipas, na zona norte de São Paulo. São 14 leitos de observação adulto, 4 leitos de observação infantil, 6 consultórios médicos e um consultório odontológico. A ocupação raramente ultrapassa de 30% porque os casos mais graves são transferidos em no máximo 36 horas para a rede hospitalar de referência. Um dos maiores orgulhos dos 398 profissionais da unidade foi nunca ter dito “não tem médico” aos pacientes.
Nem sempre foi assim. Antes, havia um vácuo no atendimento de saúde da região, cujos milhares de moradores tinham de percorrer 7 quilômetros até o serviço de emergência mais próximo, em Pirituba. Hoje, são até 16 mil atendimentos mensais, mas os benefícios não se medem apenas em quantidade. O Avança SP proporciona também qualidade.
O acolhimento a quem chega com alguma queixa de saúde na UPA, por exemplo, caiu de 8 para 2 minutos – um corte de tempo que, em certos quadros, determina a diferença entre a vida e a morte. Coordenador do programa, Marcelo Takano atribui a maior agilidade ao treinamento massivo e intensivo dos profissionais da rede no protocolo de Manchester. Consolidado na rede privada, o sistema de triagem é mundialmente reconhecido como eficiente, na medida em que estabelece prioridades de atendimento segundo os sintomas relatados pelo paciente.
Na City Jaraguá, alguém classificado com pulseira vermelha, ou seja, com risco de vida, recebe atendimento imediato. Casos menos urgentes, mas ainda graves, são recebidos pelo médico entre 10 e 30 minutos. Aos pacientes com baixa complexidade, que mesmo em hospitais privados chegam a esperar horas pela consulta, é oferecida a alternativa de telemedicina, com um médico em plantão fora da unidade. Na maioria dos casos, o paciente sai do consultório híbrido com receita impressa e pode retirar o remédio na própria UPA. “É aí que a telemedicina, ao proporcionar agilidade e comodidade, se mostra eficaz na redução da desigualdade”, defende Takano.
Para implantar esse fluxo, com sensíveis ganhos em tempo, a Secretaria Municipal de Saúde treinou 15 mil profissionais no protocolo de Manchester. Outros 150 servidores foram instruídos para auditar o processo, apontando correções quando necessário. A queda de seis minutos na triagem se deve à digitalização de projetos anteriormente manuais. Todas essas melhorias foram consolidadas a partir dos recursos obtidos junto ao BID, dentro do programa Avança Saúde SP.
“São Paulo se coloca como um farol para as demais prefeituras do País em como abordar as questões de saúde com a revolução digital”, conclui Morgan Doyle, representante do Grupo BID no Brasil. Iniciativas semelhantes tem sido desenvolvidas pelo banco no Ceará, onde os recursos são empregados na descentralização dos serviços; na Bahia, com o aprimoramento da gestão de hospitais; e Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, com projeto de transformação digital para facilitar o acesso dos cidadãos aos atendimento. Ainda na área de saúde, o banco apoia a Fundação Butantã, principal provedora de vacinas para o SUS, para o aumento da capacidade de produção e do portfólio, com reflexos benéficos inclusive nos países vizinhos – para onde as doses são exportadas.
Aos 61 anos, Maria Aparecida Trovão, da Vila Mascote, se sente relativamente confortável ao lidar com o celular. Porém, para baixar o aplicativo e-Saúde SP com o histórico de exames no tratamento contra a artrite, pediu ajuda aos profissionais da UBS Cupecê. “Foram todos muito atenciosos, me explicaram passo a passo, com carinho, e hoje uso normalmente”, agradece. O caso de Maria Aparecida enfraquece o argumento, quase um lugar-comum, de que a telemedicina encontraria obstáculos na dificuldade de parcela da população para lidar com recursos digitais. “Não encontramos resistência dos idosos à tecnologia, muito antes pelo contrário, há extrema boa vontade para facilitar a conexão”, atesta Takano.
Dentro do conjunto de esforços para disseminar a telemedicina, há casos em que agentes de saúde da família levam tablets até a casa de pacientes sem condições de se deslocar até as UBSs, permitindo a consultas ao médico. Tamanha dedicação se reflete nos indicadores de satisfação do usuário: 95% dos pacientes atendidos nos consultórios virtuais classificam o serviço como bom ou excelente. Maria Aparecida faz coro: “É objetivo, sem ser desatento. Gosto demais.”
Aliás, o temor da desumanização da relação médico-paciente intermediada pela tela se desfez quando, além da assinatura do guia para exame, a médica fez toda uma investigação das condições de saúde de Maria Aparecida no momento da primeira consulta. O que era para ser um procedimento meramente burocrático se tornou uma genuína atenção médica, claramente percebida pela paciente.
Contudo, como usuária, Maria Aparecida tem uma visão que se alinha à dos gestores do sistema. “O telemedicina é excelente para agilizar a rotina de um tratamento já em andamento, mas, no primeiro contato, eu prefiro olhar o médico no olho”, pondera. Takano observa que a telemedicina é um serviço complementar e a consulta presencial é e continuará a ser o padrão-ouro da rede de atenção em saúde no município de São Paulo: “Nosso esforço é para conectar as pessoas, facilitar as trocas em qualquer plataforma, porque isso faz o paciente se engajar no cuidado da própria saúde. Ele nota que não está sozinho e faz a sua parte, que é muito importante”.
Livre das dores que lhe aprisionaram à cama por três meses em 2017, Maria Aparecia esbanja disposição enquanto anda pelas ruas estreitas e levemente acidentadas da Vila Mascote. A medicação e os exames trimestrais monitorados pelos médicos da UBS Cupecê se refletem na qualidade de vida da telefonista aposentada que, de saúde revigorada, deu inclusive largada a uma nova carreira, para a qual já conta com clientes entre as empresas do bairro. “Nunca pude ver sujeira, sou boa em faxina, então, como estou me sentido muito bem, virei ‘freelancer’ da limpeza. Acho chique dizer assim”, brinca, com o humor típico de quem deixou a doença no passado.